- Museu do Neo-Realismo
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- Catálogo da Exposição Uma arte do Povo, pelo Povo e para o Povo, Neo-realismo e Artes Plásticas
“Uma das exposições inaugurais do novo Museu do Neo-Realismo dá pelo nome de Uma Arte do Povo, pelo Povo e para o Povo – Neo-Realismo e Artes Plásticas. Enigmático para uns, saudosista para outros, o título desta mostra parte de uma frase panfletária (que poderia ter sido usada como slogan) citada por um dos mais efusivos defensores dessa “arte útil” e “humanista”, de leitura semiótica directa, que deveria buscar uma maior e mais ampla intervenção social. Na verdade, Júlio Pomar escrevera em “O pintor e o presente”, artigo publicado em 1947 na revista Seara Nova, que a arte desses tempos de esperança só poderia, daí em diante, actuar em nome do povo, a classe mais desfavorecida pela arte e, sobretudo, pela política salazarista do Estado Novo. Guiado pelo desejo de fazer uma “pintura facilmente legível e de assimilação directa por todos os homens e para todos os homens”, o neo-realismo procurava assim elevar a imagem desse povo anónimo e trabalhador tantas vezes tema da sua expressão criativa. Esta necessidade de comunicar com todos aqueles que, até aí, pareciam arredados da experiência artística, remete para uma imperiosa vontade de intervenção progressista que, inspirada pela verve marxista, propunha uma espécie de inabalável aliança entre o artista e o povo. Se os resultados sociais dessa intenção ficaram muito aquém das expectativas oposicionistas do pós-guerra, já as obras em torno desse objectivo produzidas requerem um estudo mais atento, sobretudo passadas cerca de cinco décadas desde a origem dos acontecimentos e da sua motivação essencial. Ora, é precisamente esse o ponto de partida desta exposição inaugural, isto é, observar de um modo distanciado e objectivo, as características estéticas e de conteúdo de um conjunto significativo de obras de arte que ajudaram a projectar o movimento do neo-realismo também ao nível das artes visuais, num arco disciplinar que considera não apenas a pintura e escultura, como o desenho e a fotografia. Por isso, o título desta mostra não pretende obviamente recuperar o referido “slogan” para o projectar de um modo politicamente activo, mas lembrar apenas a vivacidade e o empenho de uma época e do seu jargão politizado, que inspirava, afinal, a acção de uma parte significativa dos artistas plásticos da terceira geração modernista. Com efeito, as obras estão aí para serem contempladas de um modo absolutamente livre, desejando nós que a observação restitua ao neo-realismo fundamentalmente uma maior visibilidade contemporânea. Pois o labor desses anos é ainda pouco conhecido do grande público, assumindo-se desde logo o Museu do Neo-Realismo como uma das instituições mais responsáveis pela sua divulgação e conhecimento.”
(David Santos)