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- Rien | André Cepeda
Curadoria de David Santos
Mesmo quando tomam o informe como núcleo essencial da sua expressão, as imagens de André Cepeda confirmam a dimensão indicial mas também existencial que está na génese de toda a fotografia, bem como o eco de uma continuidade e tradição sobre os modos de fazer, ou ainda as ruturas ou transformações que se insinuam no aparato da sua composição contemporânea. Convertendo-as num testemunho concreto dessa nova interpretação do real que carateriza a pós-modernidade, seja na sua dimensão “pós-humana” (Jeffrey Deitch), na abordagem direta do chamado “realismo traumático” (Hal Foster) ou na ênfase do “realismo psicótico” (Mario Perniola), André Cepeda apresenta neste projeto fotográfico, e a na seleção final de imagens que resultou de uma investigação de mais de dois anos, um sentido rigoroso da aproximação ao real fragmentado que nos envolve neste início de milénio, nunca deixando de confirmar, de outro modo, as possibilidades particulares que a imagem fotográfica ainda garante no que diz respeito a uma leitura do “outro”, do ser humano que se deixa captar pela objetiva da máquina fotográfica.
Em Cepeda, o registo grave ou mesmo perturbador acerca dos despojos, ou do declínio informe do corpo que se dá a ver como último resquício de humanidade, traduz justamente uma vontade de nos envolver ainda com uma estética de valores sociais algures esquecida no galope da modernidade. Apesar disso, estas imagens não promovem nunca qualquer espécie de ilustração sobre a precaridade das condições de vida na grande urbe, garantem antes um extraordinário equilíbrio entre o cuidado formal do discurso fotográfico e o chamamento da recetividade a uma maior consciencialização do papel da imagem nestes tempos de desnorte e confusa relação com o real.
Aliás, um dos vetores mais nítidos deste conjunto fotográfico é a sua capacidade de nos propor uma ideia sobre o “choc” do real, no sentido desenvolvido por Mario Perniola quando defende que “na aventura artística do Ocidente podem individualizar-se duas tendências opostas: uma dirigida à celebração da aparência [modernismo], a outra orientada para a experiência da realidade [pós-modernidade]. A primeira tendência incidiu a sua atenção sobre as noções de indiferença, de afastamento, de suspensão e considerou a atitude estética como um processo de catarse e de desrealização. A segunda tendência, pelo contrário, conferiu uma ênfase especial à ideia de participação, de envolvimento, de compromisso e pensou a arte como uma perturbação, um fulgor, um choc”. Neste sentido, diríamos que “Rien” filia-se assim, naturalmente, numa pós-modernidade que insiste em despertar-nos para o incómodo do real, no sentido de que as imagens, e a fotografia em particular, podem ainda conduzir-nos a uma reflexão mais consequente, quanto mais não seja, a partir do confronto da nossa sensibilidade estética com esse mesmo real, intenso, extremo e perturbante.